Por Piero Contezini, fundador e CEO da fintech Asaas
Desde o anúncio da chegada do pagamento instantâneo ao Brasil, muito se especula sobre o fim do dinheiro em espécie — processo que, embora deva vir a se tornar realidade, ainda deve demorar bons anos antes de se concretizar. Mas e o boleto bancário, outro método fortemente associado ao mundo físico: será que este meio de pagamento está com os dias contados?
Na prática, mesmo com toda a digitalização acelerada que vivenciamos no último ano, o boleto permanece como uma das formas favoritas de pagamento entre os brasileiros. Não é à toa que se estima que o formato foi o segundo mais utilizado pelos consumidores na Black Friday de 2021, atrás apenas do cartão de crédito, conforme aponta pesquisa do Cuponomia — portal online de cupons e cashback. O mesmo cenário se repete em um estudo da consultoria de negócios Gmattos, que concluiu que o boleto segue à frente do Pix entre as preferências dos lojistas do e-commerce nacional.
Do ponto de vista do consumidor, alguns dos motivos que fazem com que esse método permaneça popular são a sua convencionalidade e a sensação de segurança, já que é possível ter em mãos um papel com detalhes e valor da compra devidamente especificados. Outro ponto importante é que, no Brasil, muitas pessoas ainda não têm acesso a bancos tradicionais e recursos de crédito, o que mantém o dinheiro físico como uma opção forte no mercado e, consequentemente, reflete na popularidade do boleto bancário .
Para as empresas, por sua vez, o boleto traz a vantagem de atrelar todas as informações de pagamento, inclusive o número de contrato, facilitando em muito a gestão dos negócios. Ele também agiliza a conciliação bancária e, por si só, consegue ser um título executivo que pode ser usado na tomada de crédito e na execução de dívidas.
Por outro lado, a demora para a compensação do pagamento se destaca entre as desvantagens do boleto. A média de tempo para que o dinheiro pago efetivamente entre na conta do recebedor varia entre um e três dias úteis — prazo que pode se tornar bem longo diante de um final de semana ou feriado —, o que acaba interferindo em pontos como gestão financeira, controle de estoque e logística de entregas dos empreendimentos.
É justamente nesta questão que se vê a grande interferência que o lançamento do Pix como nova alternativa de pagamento é capaz de causar. Um dos principais benefícios que o método traz frente às demais opções disponíveis no mercado é o fato de ser instantâneo e, portanto, capaz de realizar transações entre contas bancárias em até 10 segundos, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ou seja, o pagamento no Pix pode ser iniciado em qualquer dia e horário e o valor será disponibilizado na conta do recebedor praticamente ao mesmo tempo, inclusive em finais de semana e feriados.
Não é de se admirar, portanto, que o Pix aos poucos substitua o boleto bancário. Na verdade, os dois recursos consistem basicamente na mesma tecnologia, com a leitura de uma informação financeira a partir de escaneamento. A diferença é que, no boleto, o pagamento é feito através da leitura de um código de barras; enquanto, no Pix, é realizado por meio de um QR Code.
A estrutura desse segundo elemento, bidimensional e em formato quadricular, garante o armazenamento de um número muito maior de informações, o que permite que o QR Code de um Pix carregue mais dados que o código de barras de um boleto bancário. Dessa forma, é como se o Pix fosse um boleto 2.0: ele é uma ferramenta semelhante, mas melhor, mais barata e mais simples de usar.
É evidente que ainda existem alguns pontos que precisam ser superados, como o fato de o Pix ainda não estar tão integrado a todos os sistemas como os boletos bancários estão, assim como a questão de que nem todos conhecem e têm segurança no novo instrumento do Banco Central. Porém, esse contexto vem se alterando de forma acelerada: mesmo com apenas um ano de funcionamento, 6 em cada 10 brasileiros já utilizaram o Pix pelo menos uma vez, segundo estatísticas do próprio Bacen.
Além disso, novas funcionalidades estão sendo criadas, tal como o Pix Cobrança, destinado especificamente a pessoas jurídicas, sejam elas micro ou grandes empresas. O recurso permite que o pagamento seja realizado em uma data futura — ou seja, tenha data de vencimento ou seja agendado —, e ainda possibilita a inserção de informações como juros, multas por atraso e descontos por pagamento antecipado, o que faz com que a cobrança se assemelhe ainda mais àquela do tradicional boleto.
Diante desse panorama, acredito que é possível afirmar que o Pix caminha para ultrapassar o boleto em pouco tempo — em cinco anos, a nova tecnologia já deve ter substituído completamente esse formato. Como um padrão de pagamento nacional, ele não deve deixar de existir, assim como o cheque não deixou, mas se tornará cada vez mais raro. Já o Pix, enquanto uma modernização do sistema de boletos e uma evolução da tecnologia pensada para uma nova era, deverá ganhar a preferência de grande parte dos brasileiros.